Anne era minha caneca, não sei bem o motivo pelo qual eu dei esse nome à ela, mas nossa história é bem interessante.
Eu lembro daquela manhã de outono, como se fosse hoje. O vento soprava suave, e dentro de casa, às 6h da manhã, já podia sentir uma brisa levemente gélida, que encarava de frente o calor de meu corpo e derrotava levemente minha preguiça. Eu precisava sair de casa às 7, então me apressei em um banho rápido e fui preparar meu café da manhã.
Minha cozinha é bem normal, pois afinal, moro sozinho. E por morar sozinho sempre tenho o sentimento de solidão. Tinha café de ontem, e ele já estava frio. Nunca fui um cara muito certo, acabei esquentando o café no microondas. Dois minutos, estava fervendo... Esquentei na jarra mesmo. Com ela na mão, coloquei-a sobre a mesa e peguei uma sacola de pão.
Antes mesmo que eu fosse preparar um misto quente, o mesmo sentimento de solidão me bateu. Eu olhei pra jarra de café, e procurando ao redor, vi que não tinha uma caneca em especial. Eu iria tomar o café em uma xícara genérica? Como eu poderia fazer isso? Era estranho pra mim, lentamente, um vazio foi me corroendo por dentro, senti-me morto.
Morto.
Olhei ao relógio, um belo relógio azul e quadrado, já se marcava 6:28. Eu não podia pensar duas vezes, eu precisava cuidar da minha solidão. Eu tinha um dia de trabalho à frente, oito horas seguidas de papelada, mas eu não me importava mais com meu emprego. Eu vi minha vida passar em segundos, esvaziar-se. Vi papel, vi o cachorro acasalando com a perna do meu primo, lembrei-me até da corrida de hamster que certa vez fiz com meu colega.
Larguei o pão. Peguei minha carteira e sai correndo pra fora de casa. Já não me importava mais com a minha vida. Eu estava com uma calça jeans levemente amarrotada e a camisa do meu serviço, mas isso era indiferente pra mim. Eu corria. Corria descalço, e por isso, podia sentir os pedregulhos e o asfalto morno sobre a sola do meu pé. Estranhamente, aquilo parecia me penetrar. Correndo perdido, correndo perdido em vazio, nem pude perceber que mais à frente havia várias pombas.
Pombas.
E quando passei por elas, elas voaram. Voaram buscando seu instinto, sua felicidade. Eu precisava voar. Eu precisava de asas. Eu precisava de asas de pombas. Mas eu não era uma pomba. Eu era um homem vazio, eu era um homem incompleto.
Eu passei por casas, cruzei vias, e depois de trinta minutos de corrida, agradecia por sempre ter praticado exercícios e ter aquele fôlego. Eu estava no centro da cidade. Cansado. Mas o cansaço era o de menos, afinal, eu já estava morto.
Eu procurei por uma loja, desesperadamente. A maioria estava abrindo, pessoas chegavam pra trabalhar. Eu já não tinha mais emprego. Eu já não era mais ninguém pra sociedade. Mas eu precisava das minhas asas. Eu precisava me tornar um pombo.
Procurei, ansiei. Eu tinha fidúcia que aquele era o dia que mudaria a minha vida. E lá estava, uma loja de 1.99, até que um tanto discreta. Eu pude ver pela vitrine uma caneca, uma caneca branca, singular, demonstrava força e jovialidade, além de que era um pouco curvada. Eu corri pra loja. Uma senhora com cara de bunda estava atendendo, mas não reparei muito nela, eu peguei a caneca e corri para o balção.
Curioso fato é que, neste mesmo balcão, pude reparar que vendia-se chicletes e canetas.
Chicletes e canetas.
Abri minha carteira, peguei o dinheiro e comprei 5 gomas de mascar, a caneca e uma caneta. Mas minha missão não tinha acabado, eu precisava voltar pra casa. Coloquei as 5 gomas na boca, na frente da senhora, e sai da loja. Eu mascava ferozmente, e apesar de agora a caneca estar em uma sacola, eu podia sentir sua textura, sua respiração.
Ela era Anne, a caneca.
Minha mandíbula doía, por mascar a goma. Eu tentei fazer uma bola, uma bola que me levasse aos céus, foi só quando lembrei que eu não sabia fazer bolas de chiclete. Eu cuspi. Cuspi e pisei por cima. Aí eu lembrei que estava descalço. Eu senti a minha própria saliva sobrepassar sobre minha pele, era como se eu afundasse em um oceano.
Continuei correndo, eu precisava me sentir vivo. Ainda não era tempo. Nessa hora, já insano, eu peguei a caneta que havia comprado. Comecei mascar a caneta. Mas ela era dura. Eu lembro do gosto escarlate da tinta; a caneta vermelha, eu lembro como as pessoas me olhavam.
Mas eu cheguei em casa, eu tirei a caneca da sacola. Eu deliciei-me em pensamentos próprios. Nós estávamos sozinhos... O que eu iria fazer? Encher ela de leite? Era uma boa ideia, passar tempo com ela, enchê-la de leite até a boca, sim... Deixar ela com muito leitinho na boca. Era uma boa ideia. Passei minhas mãos pelas curvas dela, antes que fosse colocar qualquer coisa nela. Enfiei meu dedo no buraco. Segurei-a, senti o corpo gelado dela.
Era uma ótima caneca, branquinha, tímida. Misteriosa.
Mas eu era vazio. Olhei pro lado, fugindo da realidade, e vi o café. Era isso que me faltava, era isso, desde o começo, o café ainda estava lá, e mais de uma hora depois, eu fui perceber que ele sempre esteve lá pra mim. O café nunca me abandonou. Mas agora eu poderia ser completo.
Eu peguei o café o mais rápido que pude, como se fosse um instinto que eu sempre tive, e coloquei-o na caneca. Era a hora, respirei, ofegante, eu iria deliciar meus lábios sobre aquele corpo branco, e logo depois, apreciar o seu líquido. Aquele líquido forte, quente e agradável. Já podia até sentir o odor quente que exalava dele.
Decidi fazer diferente; a caneca estava sobre a mesa, e dessa vez, eu iria até ela. Eu aproximei meu rosto, sem pensar duas vezes, encostando meus lábios na borda dela. Passei a língua levemente sobre o círculo. Tomei coragem e virei. Eu virei a caneca. Eu tomei todo o café em um único gole.
O café estava frio, vá tomar no cu.
Fim, Dead agradece a leitura. C:
Não cheguei a revisar, e aliás, nem vou ler essa merda.
LOL eu ri muito!
ResponderExcluirAté a parte da caneca. FIcou muito subjetivo xD
Anyway, um texto legal.
Hm, eu sou meio aficionada por canecas, elas colorem as mesas e as manhãs. Gosto quando elas têm carinhas, sei lá, vivo amando as canecas da vida, tenho um harém delas aqui. :B
ResponderExcluircachorros acasalando sempre cortam todo o clima existente possível. O pior é o cachorro da minha avó que acha(MESMO) que pode cruzar com gatos.
Ah, coincidentemente também estava procurando asas esses dias. Mas elas estavam muito caras, ainda mais caras que uma porção de dignidade. Então fui comprar comida que é o melhor que eu faço.
Sei que isso não tem nada a ver, mas eu adoro correr atrás de pombas, geralmente acompanhada por algum grito de guerra.
mas falando mais sobre o texto....
RESPIRAÇÃO DA CANECA foi foda AHUAUHAUA
Ela estava tão ansiosa para ser sua quanto você para tê-la. Um belo (e ardente o_o) romance.
Mas o mais legal é você ser o vazio e a caneca ser o cheio.
ou não, mas assim pensei, enfim '-'
Sacanagem, logo o café, o companheiro fiel, esfriar bem numa hora dessas.
Você tem a caneca mas o café está frio ;-;
Dá pra ir longe mirabolando com isso de forma abstrata huhu, adoro.
Se a caneca for o alvo de seus sentimentos, o recipiente que o trará ao seu preenchimento mais interno e profundo, e o café for aquilo que os unirá não apenas fisicamente, mas que transcenderá, que percorrerá ambos os corpos intimamente em diversas dimensões imagináveis ...
Ok, agora estou com vergonha desse comentário enorme, apesar de não o suficiente para apagá-lo.
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Gostei do texto, era isso que queria dizer, acho.